O neguinho sabia das coisas. Neste texto de 1920 Lima Barreto mostra como os Barões da mídia e os plutocratas da época, ludibriavam o povo, que a mídia continua a falar da mentirosa falta de verbas para investir no Povo.
Não há dúvida alguma que o Brasil é um país
muito rico. Nós que nele vivemos; não nos apercebemos bem disso, e até, ao
contrário, o supomos muito pobre, pois a toda hora e a todo instante, estamos
vendo o governo lamentar-se que não faz isto ou não faz aquilo por falta de
verba.
Nas ruas da cidade, nas mais centrais até,
andam pequenos vadios, a cursar a perigosa universidade da calariça das
sarjetas, aos quais o governo não dá destino, o os mete num asilo, num colégio
profissional qualquer, porque não tem verba, não tem dinheiro. É o Brasil rico…
Surgem epidemias pasmosas, a matar e a
enfermar milhares de pessoas, que vêm mostrar a falta de hospitais na cidade, a
má localização dos existentes. Pede-se à construção de outros bem situados; e o
governo responde que não pode fazer porque não tem verba, não tem dinheiro. E o
Brasil é um país rico.
Anualmente cerca de duas mil mocinhas procuram uma escola
anormal ou anormalizada, para aprender disciplinas úteis. Todos observam o caso
e perguntam:
— Se há
tantas moças que desejam estudar, por que o governo não aumenta o número de
escolas a elas destinadas?
O governo responde:
— Não aumento porque não tenho verba, não tenho dinheiro.
E o Brasil é um país rico, muito rico… As notícias que chegam das nossas guarnições fronteiriças, são
desoladoras. Não há quartéis; os regimentos de cavalaria não tem cavalos, etc;
etc.
— Mas que faz o governo,
raciocina Brás Bocó, que não constrói quartéis e não compra cavalhadas?
O doutor
Xisto Beldroegas, funcionário respeitável do governo acode logo:
— Não há verba; o governo não tem dinheiro
— E o Brasil é um país rico; e tão rico é ele, que apesar
de não cuidar dessas coisas que vim enumerando, vai dar trezentos contos para
alguns latagões irem ao estrangeiro divertir-se com os jogos de bola como se
fossem crianças de calças curtas, a brincar nos recreios dos colégios.
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O Brasil é um país rico… Crônicas.
Candido descreve Lima Barreto da seguinte forma: "Mesmo
nas páginas breves, entendia, sentia e amava as criaturas mais insignificantes
e comuns, os esquecidos, os lesados e os evitados pelo establishment."